domingo, 10 de outubro de 2010

O Mundo é uma bola!

Uma viagem pelas diferentes culturas futebolisticas.
  
O futebol é mais do que um simples esporte coletivo, ou como o senso comum insiste em classificar “o ópio do povo”. Em noventa minutos presenciamos uma das maiores formas de expressão cultural de um povo, seus valores, suas histórias, sua forma de vida.

  Embora existam várias terorias sobre  o local de seu nascimento, foi na Inglaterra que sua sistematização aconteceu. Distantes dos esportes elitistas, e suas exigências dispendiosas a grande massa optava pela prática do “Football”, um jogo sem custos e sobretudo livre de qualquer tipo de segregação.Exatamente por esta ligação com as camadas populares, e sua facilidade o jogo começou a ser difundido pelo mundo fosse através de marinheiros ingleses que aportavam em outras nações e relembravam sua patria mãe pela prática , ou ainda por visitantes que aprendiam em terra inglesas e regressavam com uma certa idéia para casa, como aconteceu no Brasil de Charles Muller.

  Após a difusão, o esporte novamente era absorvido pelas grandes massas da sociedade em que fora inserido, com suas caracteristicas culturais únicas sendo acrescentadas na forma de jogar e em sua meneira de encarar o Futebol.Marcados pelas lutas de classes, pela opressão e exclusão social, os britânicos desenvolvem seu “Kick and Rush”, o chuta e corre, que embora atenuado nos ultimos anos pelo Arsenal de Wenger e seu futebol técnico, o Manchester de Ferguson e o Chelsea de Mourinho em menor escala, continua a ser o estilo de jogo preferencial em maior parte de seus clubes. Para os torcedores das ilhas que vibram tanto com uma boa dividida quanto com um gol, é dificil imaginar um jogo sem luta, baseado apenas na técnica, para expressar esta dicotomia as palavras de Emanuel Petit volante francês acostumado a um jogo mais lento e tecnico em sua terra, quando passou a atuar no Arsenal: “Nós, os latinos repreendemo-los por não intelectualizarem o jogo, enquanto eles nos acusam de de falta de coração”.

  Os alemães e sua eficiência, sempre em busca da organização e do resultado, em conjunto com suas caracteristicas morfológicas, desenvolvem um estilo de jogo baseado na força atlética e na capacidade física, sem grandes preocupações estilisticas, o sistema como base para o sucesso, a eficiência como o cominho para alcançá-lo, muitas vezes recheados com jogadores extremamente técnicos, como Helmut Rahn, o Kaiser Beckenbauer, Lothar Matthäus e o goleador Klismann, em épocas diferentes, todos porém fisicamente com o traço genético alemão, mentalmente fortes pouco propensos a demonstrar qualquer tipo de emoção mesmo com o placar adverso, uma tradição que conduziu o futebol germânico ao domínio como seleção mais vencedora da Europa, expressa nas palavras do atacante Inglês Gary Lieneker após sua equipe ser desclassificada na disputa de penaltis diante da Alemanha na copa do mundo: “O Futebol é um jogo simples 22 homens correndo atrás da de uma bola durante 90 minutos, e no final os alemães vencem!”.

  Semelhante ao futebol força alemão, porém menos acrescido de talentos, e muito distante em termos de títulos está o estilo de jogo do norte europeu, com a cultura de seu povo condicionada pelo frio, campos  muitas vezes cobertos de gelo, e forte influência britânica, optam pelo jogo direto, em busca do contato físico, abrindo espaço no campo adversário com a bravura de suas raízes Vikings, tradição apenas mascarada pela Dinamarca, berço dos jogadores mais técnicos no futebol do gelo, Alan Simonsen o baixinho driblador do Borussia Mönchenglandbach nos anos 70, ou seu maior expoente Michael Laudrup, dono de uma classe singular e de uma técnica capaz de fazer inveja a qualquer sulamericano, inserido na “Dinamáquina”  da copa de 86, e que mais tarde seria campeã da Euro-92 como convidada, pelos problemas políticos da antiga Iugoslávia.

  As américas e suas influências são um capítulo à parte em termos de cultura futebolistica, nos EUA, o denomindao soccer jamais conseguiu se estabelecer como uma grande paixão popular, muito em função da dificuldade cultural dos americanos em aceitar algumas de suas caracteristicas como por exemplo a possibilidade de uma disputa terminar empatada, ou que aquele com as melhores estatisticas não seja o vencedor, o futebol tem de viver à sombra de esportes mais ligados à cultura americana como o Baseball e seus numeros conclusivos, ou o Futebol Americano e sua profunda ligação com a conquista de território adversário.

  Na américa do Sul, os três países mais destacados no mundo do futebol, possuem uma caracteristica que os aproxima: a técnica, e inúmeras que as diferenciam. O povo Argentino com sua colonização opressora, e sua história marcada pelas lutas contra os regimes autoritários, desenvolve um estilo mesclado entre a técnica e o espirito de luta, disputando cada partida como uma batalha épica pela sobrevivência, com o perfume da rebeldia e contestação, tudo com uma certa dose de melancolia ao som de um dramático Tango.

  Para se entender o apaixonante futebol Uruguaio, é preciso mergulhar nas histórias de Obdulio Varela, “El negro caudillo” o negro chefe, figura central da história celeste,alçado a condição de mito popular, alguém que segundo Nelson Rodrigues “Amarrava as chuteiras não com cordões mas com veias” considerado responsável direto pela maior conquista Uruguai em todos os tempos, a copa do mundo de 1950 em pleno o Maracanã abarrotado com  mais de 100 mil brasileiros, sobre o feito  “El gran capitan”segundo transcrição de Osvaldo Soriano no livro “Memórias del Míster Peregrino Fernandez”:

  “Era um inferno, o jogo começou e durante o primeiro tempo dominamos, mas com o tempo fomos perdendo o controle, faltava experiência para muitos muchachos.Perdemos três gols daqueles que não se pode perder jamais.Eles também tiveram suas chances, mas o mais importante era impedir que  assumissem o controle do jogo.Se isso acontecesse teriamos que enfrentar uma máquina, e aí sim seriamos atropelados. No segundo tempo eles saíram com tudo, sofremos um gol e parecia o fim.Fui buscar a bola nas redes calmamente e me encaminhei, em passos lentos para o meio campo, para acalmar os ânimos, a intenção era falar com o arbitro, e dizer-lhe que houvera off-side, o líner havia levantado a bandeira, mas abaixara quando percebeu que seria gol. Já sabia no entanto que o arbitro não ia atender a reclamação, mas era uma oportunidade para parar o jogo.

  Fui devagar, foi a primeira vez que olhei para cima, fitei o público em desafio, provocando-os.Em vez dos aplausos passou a ouvir-se assobios e vaias, queriam ver sua máquina goleadora em ação e eu não deixava voltar a arrancar, demorei muito a chegar ao centro.Então ao invés de colocar a bola em jogo, segurei-a e disse a Andrade: “calma vou protestar, e vais ver que quando voltar, isto mais parece um cemitério.” Pedi um tradutor e falei com o arbitro do tal off-side e etc, já havia se passado outro minuto, as coisas que me diziam os brasileiros, e eu nem reagi! Quando a partida reiniciou eles estavam cegos e nem viam o gol de tão furiosos comigo.

  Foi então que percebemos que era possível ganhar, como foi possível? simples,  um jogador tem de ser um artista e dominar o cenário, como o toureiro domina o touro e o público, pois do contrário, é engolido.No passado já tinha disputado milhões de jogos, em todos os locais, em campos sem alambrados, com o público em cima de nós e sempre tinha me saído bem, como agora iria ter medo em pleno Maracanã, com toda a segurança?, alí eu sabia que ninguém podia me tocar!, quando fizemos o segundo gol nem podíamos acreditar, campeões do Mundo!, nós que vinhamos jogando tão mal, ficamos loucos.

  Nessa noite fiquei pelo Rio, com o nosso massagista, e saímos para beber umas cervejas, pelas ruas só ouvia choros e lamentações, foi então que entrei num bar e notei que só havia tristeza.Estavam todos a chorar, senti-me mal, afinal eu era responsável por toda esta tristeza, pensei no meu Uruguai,lá sim as pessoas estavam felizes, mas eu estava no Rio.

  Foi então que o dono do bar me reconheceu e disse “Sabem quem é?, é Varela!”, pensei que iam me matar, olharam-me voltaram a me olhar, até que um deles se aproximou me deu um abraço e disse “Senhor Varela, quer tomar umas cervejas conosco?, bebemos para esquecer...”, como eu poderia recusar?, bebemos a noite toda, e durante a madrugada me arrependi de ter ganho, se voltasse a jogar aquela final, faria um gol contra!”.

  Foi assim que nasceu o mito Varela, que molda o estilo destemido do povo uruguaio até hoje, basta citar por exemplo as palavras de Diego Lugano, ídolo São Paulino recente em diversas conquistas, quando em entrevista ao programa Bola da Vez da ESPN,perguntado se nos tempos de criança costumava bricar ser Obdulio Varela, Lugano sem hesitação em uma resposta rápida ausente de pré elaboração proferiu: “De Deus não se brinca!”.

  No Brasil, berço supremo dos maiores mágicos com a bola nos pés, as influências da colonização portuguesa, o clima tropical, e a enorme miscigenação de raças moldam um estilo relaxado, averso a grandes elaborações táticas, concentrado na capacidade técnica, seu apego a bola é tão grande que cada jogador que a controla parece relutante em vê-la partir, desta íntima relação só poderia nascer o maior jogador de todos os tempos, Pelé o rei do futebol, e a seleção mais vitoriosa em todos os tempos, a seleção canarinho com seus cinco títulos mundiais.

  Conta Raí, que sempre ouvia falar do estatuto do jogador brasileiro no exterior, mas não ligava muito, até que no seu primeiro treino pelo Paris Sanit Germain, durante um simples exercicio de correr com a bola dominada por entre uma série de cones, levando a bola de um pé para o outro, começou a fezê-lo sem errar nenhum toque, e seus companheiros espantados exclamaram: isto é o Brasil!, foi então que se deu conta que ali era diferente, que tinha este estatuto particular e que teria de estar sempre a altura.

  Nos ultimos tempos, o avanço social, ou especificamente a globalização, aos poucos vai acabando com estas raízes culturais no futebol, sobretudo no velho continente a formação da união européia, um bloco comercial coeso transformou também o mundo da bola, é cada dia mais comum equipes como a Internazionale, o Chelsea, o Arsenal e tantas outras maiores ou menores entrarem em campo sem qualquer jogador de seus próprios países de origem, afetando diretamente as seleções nacionais, e a sua cultura futebolistica.Isto no entanto não significa necessariamente o fim, talvez estejamos presenciando uma fase de transição, em que novos estilos gradualmente assumam o lugar dos antigos, mas inegavelmente cada dia mais o futebol se distancia de suas verdadeiras raízes.

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