segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Era da Velocidade

“...Criamos a época da velocidade mas nos sentimos enclausurados dentro dela...”, esta minima frase extraída do belo discurso humanista proferido por Charlie Chaplin na cena final do filme “ O grande ditador”, pode muito bem ser utilizada para entender o futebol atual, é claro que o discurso do barbeiro em filme escrito,dirigido,produzido e estrelado pelo gênio Chaplin, é muito mais complexo  profundo e social do que uma simples análise futebolistica, um discurso em favor do homem, um apelo a sua razão e consciência, e até mesmo profético em muitos aspectos como no pensamento:

“ ...mais do que máquinas, precisamos de humanidade,mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura.Sem essas virtudes a vida se tornará violenta e tudo será perdido...”

  No mundo futebolistico, entendido como expressão cultural e por isto reflexo da sociedade, a velocidade e esta prisão citada por um dos maiores génios  da história humana, também podem ser notadas. Quando assistimos à jogos mais antigos até o começo da década de 70 mais ou menos, somos transportados a um jogo quase em camera lenta, marcado pelo enorme tempo entre um jogador receber o passe e o adversário chegar para marca-lo, são notótios por exemplo os lançamentos sempre muito calculados e bem pré-planejados do “canhotinha de ouro” Gerson, na brilhante seleção brasileira da copa de 70 que encantou o planeta.

  Aqui trata-se apenas de uma constatação com relação a velocidade do jogo, e não um questionamento à qualidade dos jogadores, sua capacidade técnica, ou ainda pior um argumento favorável a eterna discussão  se os craques do passado jogariam no futebol atual, algo certamente descabido, pois uma das especificidades do futebol que o difere de qualquer outro esporte é sua total ausência de segregação, também  por questões fisicas, afinal como bem diz Johan Cruyff :“o futebol é um jogo para ser jogado com a cabeça”, assim os jogadores técnicos do passado seriam capazes de praticar o esporte em qualquer época exatamente por sua qualidade, tendo apenas de adequar-se as novas exigências fisicas.

  O rompimento do futebol dito do passado com o moderno, é marcado definitivamente pela aparição em 1974 da “Laranja Mecânica”, a seleção Holandesa que disputou a copa do mundo na Alemanha formada por craques como Neeskens,Rep,Haan,Suurbier,Krol,e num degrau acima Johan Cruijff,  comandados pelo maior técnico de futebol da história segundo a Fifa: Rinus Michels. Baseada em um estilo técnico aliado a uma enorme capacidade física que permitia a seus jogadores trocar de posições,executar mais de uma função, e sobretudo pressionar os adversários em seus campo, roubando-lhes a bola e saindo para jogar com uma velocidade até então nuca vista em um campo de futebol.

  Embora o embrião desta fantástica equipe tenha sido o Ajax de Amsterdam dirigido pelo próprio Michels que assombrou a europa no fim dos anos 60 começo da década de 70, foi com a camisa laranja  e a incoporação de alguns elementos do arquirrival Feyenoord que o estilo de jogo holandês batizado como futebol total passou a influenciar o modo de jogar no mundo inteiro nos anos posteriores.

  Desde então aspectos como a pressão alta,  capacidade atlética, a multifunção, e sobretudo  velocidade em ações ofensivas e defensivas, passaram a fazer parte da cartilha de futebol moderno.Este tipo de pós-analise no entanto deixa de lado um aspecto fundamental que servia de alicerce ao carrossel Holandês: a qualidade tecnica de seus integrantes.A equipe  de Michels contava com jogadores tecnicamente acima da média em quase todas as posições,Neeskens, Van Hanegem, Krol, Cruyff por exemplo todos embora atleticamente muito capazes,dotados de capacidade tecnica ainda maior, utilizando-se do cérebro antes de acionar os músculos.

  É inegável nos tempos atuais a importância do aspecto físico sobretudo a velocidade necessária a qualquer atleta profissional de futebol, jogadores velozes sempre foram armas secretas capazes de mudar os destinos de uma partida, atualmente essa capacidade foi elevada a um nível ainda mais alto, as arrancadas de Cristiano Ronaldo, Arjen Robben, Neymar,etc, o futebol coletivo sempre velocista do Arsenal e seus jovens, e inúmeras outras equipes que pouco diferenciam as fases ofensiva e defensiva, com seus atletas mais ofensivos recuando para marcar o adversário no campo de defesa, e no instante seguinte saindo em velocidade para  finalizar a jogada no campo ofensivo,são argumentos irrefutáveis da importância do bom preparo fisíco, que aos poucos foi engolindo jogadores ditos lentos, sobretudo na europa, e aos poucos matando funções especificas como por exemplo o nosso velho centroavante típico, o camisa 9 fazedor de gols, excelente na arte de mandar a bola às redes, mas pouco participativo coletivamente.

  Embora em equipes pequenas e médias do cenário europeu este tipo de jogador ainda tente resistir, é dificil notar atletas com este perfil nas equipes maiores, que preferem atuar com uma dupla de velocistas ou até mesmo no ”moderno” 4-2-3-1 com apenas um atacante de movimentação, em muitos jogos o Manchester de Ferguson atuou com o português Cristiano Ronaldo como atacante, Arshavin no Arsenal também executou tal função bem como Messi no Barcelona, onde o "centro-avante classico" Ibrahimovic não conseguiu se encaixar, também em função do modelo de jogo catalão, completamente baseado na escola holandesa, obra de seu “salvador” Johan Cruyff.

  A melhor definição desta transicão sofrida pelo esporte bretão, é dada pelo atual diretor de futebol do Real Madrid, e eterno estudioso e filosofo da bola Jorge Valdano em suas palavras, o futebol pode ser dividido entre a Era Fotográfica em que cada jogador mantinha uma posição fixa e esperava a bola a seus pés, e depois na Era cinematografica, com seus interpretes em constante movimentação.

  Apesar de sua importância, o futebol e seu mundo particular onde nem sempre a lógica do mundo real funciona, a velocidade continua não sendo o fator primordial para julgar a capacidade de um jogador, mesmo com enorme velocidade, o mundo ainda se rende quando Lionel Messi reduz a passada, e utiliza-se de seu vasto reportório técnico para ultrapassar um adversário, ou ainda com as jogadas cerebrais de Xavi Hernandes e seus passes à la Gerson, fruto de sua enorme capacidade de leitura de jogo.Em entrevista  ao site ajax-usa, Kees Zwamborn diretor da renomada categoria de base do Ajax denominada  “de Toekemost” o futuro em holandês, e reconhecida pela Uefa como a melhor escola de formação de jogadores da Europa,explica o sistema TIPS empregado pela equipe de Amsterdam na formação de atletas:

   T é a capacidade técnica, I é a inteligência tática, a capacidade de movimentação individual e coletiva,ler o jogo, P é personalidade, quesito difícil de avaliar em alguem tão jovem segundo Zwamborn, e por ultimo S velocidade(em inglês Speed), neste ponto o diretor faz uma observação: não a velocidade de um corredor dos 100 metros, mas a velocidade com a bola, algo diferente de ser feito.


  Este é um aspecto chave, antes de correr é necessário que se tenha a qualidade de manter a posse da bola em corrida, e a capacidade mental de saber porque correr,quando e para onde, para que a ação não acabe por se tornar uma prova de atletismo.  

  Maior símbolo da formação Ajacied, Johan Cruyff que entrou nas as escolas de formação do Ajax aos dez anos, para se tornar o maior jogador europeu de todos os tempos, resume a importância da velocidade no futebol com duas frases brilhantes:

“ Quando se vê um jogador arrancando, é porque saiu tarde demais” ,

“Se eu começar a correr um pouco mais cedo, vou parecer mais rápido”,

  A qualidade técnica e a capacidade mental ainda estão acima de qualquer outro aspecto neste mundo à parte que é o futebol, diferente de qualquer outro esporte, o maior jogador desta geração por exemplo, Zinedine Zidane, jamais foi reconhecido por sua capacidade atlética, mas sim pela sua poética lentidão de movimentos artisticos, capazes de encantar torcidas pelo mundo afora com o minimo de esforço, utilizando-se primeiro do raciocinio, da cabeça como exigia Cruyff,  afinal dentro de campo a questão não é quem corre mais, mas sim quem pensa mais rápido.

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