quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Medo de Mourinho

  Durante entrevista coletiva antes do primeiro jogo entre Real Madrid e Milan na fase de grupos, o técnico português José Mourinho respondeu à uma afirmação de seu adversário Maximiliano Allegri, treinador do Milan, de que não teria medo em atacar a equipe madrilenha em pleno Santiago Bernabeu, casa da equipe “Blanca”, e para tal ventilou a possibilidade de escalar o quarteto ofensivo milanista: Ibrahimovic, Ronaldinho, Pato e Robinho.

  A resposta de Mourinho, “the special one” o especial, como se auto-intitulou em seus tempos de Chelsea, foi de certa forma enigmática:

“Até podem jogar com dez jogadores ofensivos, desde que Inzaghi não jogue. Se jogar será um pouco mais dificil”

  Diante do chamado “quarteto fantástico” porque um dos maiores treinadores da história do futebol, estaria preocupado com um veterano atacante, de 37 anos, reserva na equipe de Allegri, e que se encaminha ao fim de carreira?, teorias sobre a declaração começaram à surgir, a mais recorrente e aceita por alguns analistas, é que tratava-se de uma grande jogada do técnico Madridista, na tentativa de induzir seu adversário à um teórico erro de escalação, fazendo o que Mourinho desejava, algo comoa teoria da psicologia reversa.

  Por fim, a ameaça de Allegri não se confirmou e seu Milan não apostou no quarteto fantástico, não atacou o Real Madrid de maneira constante, nem mesmo escalou Inzaghi desde o inicio, deixando o Santiago Bernabeu com uma derrota por 2 à 0, completamente dominado pela superioridade do Real.

  O jogo de palavras parecia esquecido, e o partida da volta em Milão seguia o mesmo caminho dentro de campo da ida, com amplo dominio madrilenho, superior em movimentação, criatividade, e velocidade de ações, diante de um Milan apático, taticamente perdido, pouco empenhado, apostando na individualidade de alguma de suas estrelas, muitas destas em péssima fase .

  Com um gol de desvantagem, Allegri resolve tirar de campo o apagado Ronaldinho Gaúcho, para mandar à campo, exatamente o homem que “provoca medo” em José Mourinho, o veterano Filippo Inzaghi, aos 60 minutos de jogo( 15 do segundo tempo). Oito minutos depois “Superpippo” como o chama a torcida do Milan, aparece no lugar certo e na hora certa para aproveitar o rebote na falha do goleiro Casillas, resultado: empate um a um, e delírio da torcida, não satisfeito, aos 78', em claro impedimento, dando razão a frase de Sir Alex Ferguson técnico do Manchester United que afirma: “Inzaghi nasceu em impedimento”, o camisa 9 rubro negro faz seu segundo gol no jogo, o septuagésimo em competições européias, ultrapassando Raúl para se tornar o maior artilheiro europeu, justificando os temores do português.

  O “medo de Mourinho”, é fruto de seu profundo conhecimento de tudo que cerca uma partida de futebol, desde aspectos corriqueiros como sistemas táticos, até as caracteristicas mais profundas de determinados jogadores e suas possíveis influências na dinâmica do jogo, sejam estas à seu favor ou não.A capacidade do técnico nascido em Setúbal, filho de Félix Mourinho antigo goleiro com uma convocação para a seleção Portuguesa, é a consequência de uma vida dedicada ao estudo social e futebolistico, de sua precocupação minuciosa com tudo que julga necessário para o sucesso dentro e for a de campo.


   Inzaghi não é o maior atacante de todos os tempos, mas tecnicamente é um excelente jogador, e o termo tecnica aqui empregado, não deve ser confundido com habilidade, dois conceitos absolutamente distintos. A capacidade tecnica refere-se ao dominio de aspectos básicos e fundamentais ao jogo: saber, aonde, como e com qual intensidade chutar uma bola, executar um passe ou uma finalização, saber mover-se com inteligência tática, ajustar a posição do corpo na hora de tocar na bola e assim por diante, já a habilidade pode ser entendida acima de tudo como um dom, a capacidade de improviso, o controle além do comum, o drible, a inventividade,etc.Pippo, além disto possui algo ainda maior que o torna tão carismático: o coração, a paixão por aquilo que sabe e gosta de fazer, seja no seu septuagésimo gol europeu, ou num gol de jogo amistoso contra um adversário de segunda divisão, a intensidade na comemoração do tento é a mesma, a felicidade por colocar a bola no fundo das redes é intensa, e esta fica estampada em seu rosto, na corrida com os braços abertos.

  A equipe montada por Mourinho no Real Madrid, assim como as anteriores, notoriamente o Porto campeão europeu em 2004, baseiam seu modelo de jogo dentre outros aspectos na defesa alta, em linha de impedimento, desta maneira “Special One” , tinha a clara noção de como a movimentação de Inzaghi que procura sempre tal linha como se dela dependesse sua vida, poderia vir a se tornar um fator de desequilibrio em favor de seu adversário, o que o obrigaria a modificar o sistema tático ou até mesmo seu modelo de jogo.

  Como aconteceu no final da partida em que substituiu o zagueiro Pepe, perdido e extremamente irritado após falhas individuais,provocadas pela mudança de movimentação no ataque Milanista, pelo meia/ponta Pedro Leon, formando uma espécie de linha de trêz zagueiros, com o lateral Marcelo como um dos elementos. A arriscada decisão rendeu o gol de empate saído dos pés justamente do jovem Leon.

  Tudo isto explica porque neste momento, Mourinho é considerado o melhor técnico em atividade no mundo, e certamente um dos maiores da história, sua arrogância, suas declarações por vezes ofensivas, sua soberba e tantos outros aspectos não reduzem de qualquer forma, a enorme capacidade como técnico de futebol, de alguém extremamente culto, e que trabalha cada dia mais para ser o que é, a prova de que o futebol além de arte, também é ciência, e que portanto deve ser estudado, e entendido, em conjunto com todos os outros aspectos da vida, afinal como diz o título do livro “L'alieno Mourinho” (O Alienigena Mourinho) de Sandro Modeo, Chi sa solo di calcio, no sa niente di calcio”- “Quem sabe só de futebol, não sabe nada de futebol”.

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